“Darwin não previu a globalização” – Irina Castro

Transcrevo aqui um texto de Irina Castro que saiu no último Jornal Universitário do Porto:

As margens do Lago Vitória, o maior lago tropical do mundo, e considerado o berço de toda a Humanidade, são hoje o palco do pior pesadelo social, económico e ambiental do mundo globalizado.

Partilhado por três países, Tanzânia, Uganda e Quénia, o Lago Vitória é o apoio vital de milhões de pessoas. Durante a década de 50, a Perca do Nilo, (Lates niloticus) foi introduzida com o objectivo de melhorar os rendimentos da pesca, mas acabou por dizimar a diversidade de espécies autóctones tornando-se hoje uma das espécies invasoras mais nocivas do mundo. A perda de diversidade da ictiofauna não é o único problema ambiental causado pela Perca. Da perda da diversidade resulta a proliferação do jacinto-de-água (Eichhornia crassipes), uma planta aquática que forma enormes camadas espessas, causando dificuldades na pesca e falta de oxigénio.

A esta catástrofe ambiental associam-se os problemas sociais decorrentes dela. A enorme proliferação da Perca do Nilo abriu portas para a exportação massiva da sua carne para todo o hemisfério Norte. Uma forte indústria montou-se nas margens do lago e com ela uma rede de aviões de carga da ex-União Soviética, e comércio de armas. Hoje em dia, na mesma pista de aterragem da Tanzânia, de manhã aterram aviões de carga Russos com ajuda humanitária dos países desenvolvidos – e com uma outra especial de armas – enquanto que ao fim da tarde abandonam o país carregados com toneladas de Perca do Nilo, numa zona onde população local morre à fome. Estes aviões de ajuda humanitária alimentam milhares de famílias e de guerras nos países vizinhos da Tanzânia, trazem a comida que os alimenta durante o dia e as armas que os matam à noite.

O berço da vida é também o coração das trevas das guerras civis, com conflitos diários mais mortíferos que o 11 de Setembro. O mundo fecha os olhos as estes “conflitos tribais” e o interesse imperialista pelos recursos naturais vai ganhando terreno. A maioria destes países contraiu empréstimos nas moedas fortes durante os anos 70, e desde então estão condicionados a reembolsar aos seus credores, custe o que custar, tendo como único recurso, aumentar a produção com a intenção de assim aumentar também a exportação. Colocam no mercado cada vez mais matéria-prima, no entanto, a procura pelo Norte não aumentou, que significa uma queda severa nas cotações. Os juros dos empréstimos aumentam e os países do Sul ficam presos na forca da dívida, incapazes de respeitar os prazos de reembolso. São obrigados a seguir as exigências do FMI, do Banco Mundial e dos outros credores, numa política macroeconómica de austeridade orçamental rigorosa, que implica reduzir ao “nada”, a educação, a saúde, e todos os outros investimentos sociais e públicos. Em Tanzânia entre 1992 e 1997, 15% do orçamento do país era destinado a serviços sociais, enquanto 46% para serviços à dívida. A desregulamentação e a abertura total dos mercados agravaram os problemas destes países, e deram início a uma recolonização económica.

A experiência científica da Perca do Nilo, não é apenas uma experiência ambiental fracassada, mas também uma experiência económica que revela o lado mais obscuro da economia globalizada, do neo-liberalismo, da guerra e do imperialismo.

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